quinta-feira, 10 de março de 2011

Porque tem de haver uma razão para tudo?


“Decidi que não valia a pena responder. Já não reconhecia na Margarida a rapariga meiga, inocente e inquieta pela qual um dia, há muitos anos, me apaixonei. Chegamos a viver juntos, até esse dia em que eu acordei com a pele cheia de manchas, dores insuportáveis pelo corpo todo, e vontade de fugir para os antípodas. Não sabia porquê. Porque tem de haver uma razão para tudo? Que razão assiste ao despertar de uma paixão? As mulheres exigem explicações, não suportam a natural irracionalidade da vida. Queixam-se da previsibilidade dos homens, da sua incapacidade para a surpresa – sempre os mesmos gestos, sempre o mesmo sofá, as mesmas rotinas, os mesmos restaurantes -, nunca compreendem a decadência do desejo, ou antes, o pânico da prisão. Um dia um homem acorda e sente-se preso pela mulher amada. Isso não quer dizer que tenha deixado de a amar, apenas que a ama agora de outra maneira. O sexo gasta-se. As mulheres parecem não perceber que o sexo se gasta muito depressa. Talvez sejam mais hábeis com a imaginação. Ou com a mentira. O corpo de uma mulher adapta-se à mentira, como a tudo. O corpo de um homem é verdadeiro como um hospital. Nunca mente. Por mais que ele queira, não mente. Não sabe.”

(Inês Pedrosa in: Os íntimos. Ed. Alfaguara, p.26-27)

10 comentários:

  1. Eu não suporto minha natural racionalidade.

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  2. Acho que esse texto exclui capricornianas, mana, hahaha. Mas é muito bom. Essa Inês sabe das coisas...

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  3. os corpos não mentem talvez a alma,


    beijo

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  4. A razão é a chave do descompasso. E, para mim, os corpos também mentem.
    Bjs, Vanessa.

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  5. Ah...

    Lindo.

    Mas concordo com os posts acima, sou capricorniana, rsrsrs.

    Otima seleção!

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  6. Estranho, porém, como as coisas mudam... E ainda que me adapte, continuo a dizer o mesmo.

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  7. Estou quase terminando as leituras que estavam na frente do "Fazes-me falta". "Os íntimos" será o próximo. Vi-me nesse fragmento.

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