terça-feira, 19 de julho de 2011
perícia e arte
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Não é indispensável que aquele que bebe abdique da razão, mas o amante que conserva a sua não obedece inteiramente ao deus do amor
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Anna Karenina |
(Marguerite Yourcenar in Memórias de Adriano. P. 20-21. Ed. Nova Fronteira)
Surrupiado daqui.
sexta-feira, 29 de abril de 2011
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Era a tua lembrança que batia
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Henry Payne |
sábado, 1 de janeiro de 2011
formas de amar

“Segundo Sponville, há três formas de amor: o amor/eros, o amor/philia e o amor /caritas. O amor /eros é aquele tematizado no Banquete de Platão e que permeia igualmente o amor romântico. Esse tipo de amor é caracterizado pelo desejo carnal, mas o desejo do que falta. (...) o amor/eros é carência, sofrimento, obsessão da busca daquilo que completa. Não raro, Eros está ligado à morte. Assim o é nos relatos de Tristão e Isolda, Romeu e Julieta e Os sofrimentos do Jovem Werther. (...) Parafraseando Hegel, páginas felizes são páginas em branco na história do amor romântico”.
(Amor, Maria de Lourdes Borges, Coleção Filosofia passo-a-passo, p. 9, Ed. Jorge Zahar)
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
O amor e suas letras - 19,20 e 21/11 - programa do fim de semana :)

http://xiijornada.wordpress.com/
O Amor e Suas Letras
O que é o amor? A filosofia o define como uma das paixões da alma ou do ser, lado a lado com o ódio e a ignorância. Mas o amor sequer existiria, se dele não falássemos, argumenta o literato (La Rochefoucauld). E o que diz a psicanálise? “A transferência é o amor”, resume Lacan, com algumas décadas de distância, uma das descobertas primeiras da psicanálise: o amor de transferência. Este, segundo Freud, em nada difere do amor que ao mesmo tempo une e separa os seres falantes onde quer que estejam.
Eros, um dos nomes do amor na mitologia grega, passa a fazer parte do vocabulário psicanalítico como sinônimo da pulsão de vida, cuja tarefa é “amansar a pulsão de destruição”, desordenar o seu caminho silencioso em direção à morte. Para Freud, o amálgama vida/morte e seus efeitos de amor/ódio subjazem a todos os fenômenos que se dizem humanos.
Não existissem os impasses do amor, não existiria a psicanálise. Freud ensina que o amor ou é narcísico ou é edipiano. O primeiro não é senão amor pela própria imagem, lugar no Outro onde me vejo amável. Em contrapartida, o amor edipiano é necessariamente um amor a três. Nele, o terceiro excluído é condição sine qua non. E o ser amado, inevitavelmente um substituto. Fala-se, por isso, de erro de pessoa, pois, no fim do baile, ao apagar das luzes e ao cair das máscaras… não era ele, tampouco era ela.
Freud denomina Mannlich Typus, amor do tipo masculino, aquele em que ocorrem a idealização do objeto e a sublimação da pulsão. Lacan o aproxima das manifestações de amor que tem lugar na França, no decurso da Idade Média: o fin’amors e o amor cortês. Amor de cancioneiros e poetas, ele acaba por criar a Dama cuja perfeição a torna inacessível. É a Beatriz de Dante cujo bater de pálpebras moveria o mundo, nos versos daquele que a criou.
Freud enumera ainda as antíteses do ato de amar: a indiferença, o ódio, mas também a posição passiva daquele que demanda apenas ser amado. No Seminário, livro 8, Lacan nomeia a transferência de “milagre do amor”. Ao cotejar o texto freudiano com O Banquete de Platão, ele assim conclui: o milagre é a transformação de érômenos em érastès, isto é, a passagem da posição de amado e desejável à posição de amante e desejante.
Como o amor é propício aos aforismos, Lacan propõe alguns em seu seminário sobre a angústia. Ele aí afirma, por exemplo, que “somente o amor permite ao gozo condescender ao desejo.” (Lacan 1963/2005: 197). O amor pode vir a se alojar na hiância que separa o desejo e o gozo, tornando então possível gozar e desejar com o mesmo objeto. Sim, porque Lacan também descobre nas mulheres o mesmo desdobramento da vida amorosa que Freud descobrira nos homens: de um lado, o parceiro do desejo, do outro, o parceiro do amor. A pequena diferença está no fato de que, enquanto os homens amam de forma fetichista, as mulheres o fazem erotomaniacamente. Elas amam no homem sua relação com o saber, ou seja, o inconsciente. Um homem, porém, ama numa mulher o que lhe falta, e por isso fantasia um masoquismo feminino. Num fim da análise, há então alguma diferença.
Mas há também os casos em que falamos de um possível curto circuito terapêutico da análise por meio do amor. Pois o lugar do analista não é propriamente o do amor, e sim o de um desejo advertido. Advertido, inclusive, das armadilhas do amor. Sua aposta, com Lacan é a produção de um amor inédito, sem cegueira ou servidão.
“O amor demanda o amor. Ele não deixa de demandá-lo. Ele o demanda…mais…ainda.” Eis como Lacan dá a partida ao Seminário, livro 20. Se já observara que o discurso analítico é o que sempre emerge no giro de um a outro discurso, ele agora o confirma, asseverando que “o amor é signo de que mudamos de discurso.” No discurso analítico só se fala de amor. Fala-se de seus obstáculos, fracassos e rateios. Eventualmente, de seu êxito. É que o amor pode fazer suplência à relação sexual que não existe. A proporção sexual que não se inscreve inconscientemente, conseqüentemente não se escreve. Em contrapartida, “a única coisa séria a ser feita é a letra/carta de amor”. (Lacan 1972/1985)
Será que, então, a letra de amor faz série? O amor se escreve em cartas, poesias, romances e canções. Quem nunca recebeu ou enviou um bilhete de amor? Um pequeno gesto? Um sinal de amor? Vinícius, nosso poetinha – como o chamávamos carinhosamente – não desconheceu em seus versos que existe o fim do amor, o que não o impediu de desejá-lo “eterno, enquanto dure”. Tom versava e dedilhava incansavelmente o quanto “é impossível ser feliz sozinho”. Paulinho, viola sob o braço, canta que “só um novo amor pode apagar” as marcas de desencanto de outro amor.
Saberemos nós, psicanalistas, tomar o amor ao pé da letra? Desfazer os nós da transferência? Conduzir analisandos da demanda de amor à pulsão? Saberemos trabalhar com a letra?
(Vera Pollo - autora de - entre demais publicações - "Mulheres Histéricas" (Ed. Contra Capa) e professora da Universidade Veiga de Almeida.
domingo, 17 de outubro de 2010
O que se foi - Ferreira Gullar

O que se foi
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.
Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.
Portanto, o que se foi,
se volta, é feito de morte.
Então por que me faz
o coração bater tão forte?
sábado, 10 de julho de 2010
Porque beber chá é uma arte
E a música dela
"- Bella bebe chá ´igal` a Dinda!"
* Minha sobrinha-afilhada Isabella Catarina. Ela acorda de péssimo humor, devora livros, é intensa (quando gosta, é compulsiva; quando não gosta, não adianta insistir), adora brincar de fazer comidinha e a família toda diz que é minha versão-em-miniatura. E bateu uma saudade da minha pequena-Capitu-de-olhos-azuis-de-ressaca agora...
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Meu delírio de fadas favorito

Vale clicar
"Rimas fáceis, calafrios
Fura o dedo, faz um pacto comigo
Por um segundo teu no meu
Por um segundo mais feliz".
(Mais Feliz, Cazuza)
P.S.: ocorreu-me agora algo que a Carrie disse para a filha da Charlotte, enquanto lia uma história. "Você sabe que contos de fadas são mentirinhas, não?" - cito de memória, é algo assim. O sentido era esse.
quarta-feira, 31 de março de 2010
E daí que acaba

Por Marcelo Rubens Paiva
Não aguento mais ouvir uma voz feminina afirmar com amargura e rancor que não quer mais se casar. As muitas seguidoras de Paulo Mendes Campos acreditam que, se o amor acaba, para que começar outro.
São aquelas que se casaram de branco, no dia mais feliz de suas vidas, apaixonadas e entregues, mas que depois enfrentaram a ira de um ciumento, as neuras de um obcecado, as fraquezas de um viciado, se envolveram com famílias alheias intolerantes, conheceram a frigidez na rotina, a traição injusta seguida pelas mentiras incabíveis, e decidiram pôr um fim no sonho de eternizar aquele instante em que tudo parecia fazer sentido, as estrelas estavam próximas, em que nasceram um para o outro e morreriam grudados, na alegria e na doença.
Aquelas que já passaram por um ou dois casamentos e mergulharam no tombo da separação, em que a decepção troca de lugar com o amor, e o futuro vira pó.
Eu não aguento mais replicar: “Se o amor nos enlouquece, imagine a loucura que é ficar sem ele.”
Para aquelas que dizem não acreditar mais no amor, proponho então experimentarem outros e apostarem nesse bilhete só de ida.
Uma noite de prazer acaba. Um banquete acaba. Uma viagem inesquecível acaba. O fim de semana na ilha paradisíaca, um campeonato, o dia, o ano, o gozo, um livro, um disco, um banho de banheira acabam. Não por isso, evitamos outros.
Ah, foi o dia internacional delas, que amamos tanto, que nos deram à luz, intuição, formas alternativas de pensar, mostraram detalhes que passavam despercebidos, exigiram atenção, dedicação, carinho, nos fizeram ser românticos, abafar a vergonha e nos inspiraram música, poesia, até guerras.
Mas sua descrença com os novos tempos e o velho homem nos deixa desesperados, órfãos. Nostradomus previu isso? Está escrito nos céus?
Se vocês não acreditam mais, quem acreditará? Lembrem-se de Nietzsche, que nos últimos dias numa vila italiana, com o calor na pele, viu alegria no niilismo e esperança no desamparo: “Cada passo mínimo dado no campo do pensamento livre, da vida moldada no seu formato pessoal, foi desde sempre conquistado com martírios espirituais ou corporais.”
Trégua. Que venham os clichês. Cá está o ombro para o choro da mudança de humor inexplicável e inesperada. Quer que eu apague a luz na enxaqueca? Explico com toda a paciência a regra do impedimento, quem joga contra quem, e o que significa aquele quadro no alto da tela, em que três letras, COR, vencem por 2 X 1 as três letras PAL.
Fique na cama na TPM. Trarei uma bolsa de água quente e o jantar. Sim, vamos comprar sapatos. Eu espero. Levo um livro, enquanto você experimenta a loja.
Adorei a cor do esmalte, o corte do cabelo. Batom vermelho te deixa mais bonita. Não, a calcinha não está marcando. Ah, põe o tubinho preto, se bem que gosto quando você coloca aquele vestidinho colorido. Não, o sutiã não está aparecendo.
Eu ligo para o despachante, faço um rodízio nos pneus, troco a bateria, reconfiguro seu computador, mando lavar o tapete, o forro do sofá, também adoro ele com almofadas indianas em cima.
Cuido de você na velhice, não te trocarei por uma adolescente que cheira a tutti frutti, nem pela secretária vulgar da firma, amarei a sua pele um pouco mais flácida, seus seios naturalmente instáveis, seu corpo maduro, seus joelhos frágeis. E tomaremos vinho tinto todas as noites. Prefere branco? Que celulite?
Porém a maioria de vocês conhece agora as teclas atalhos, a pressão nos pneus, sabem chamar o seguro, para uma pane elétrica, e que carrinho por trás dá cartão vermelho. Tornam-se independentes.
Pesquisa da Serasa Experian até mostrou que as mulheres são a maioria entre os mais ricos do País- segundo o estudo, cerca de 4,9 milhões de mulheres e 4,7 milhões de homens participam do grupo dos mais prósperos do Brasil, as classes A e B, e que as mulheres “ricas” somam cerca de 1 milhão, e 611 mil mulheres são executivas bem-sucedidas.
Foi uma semana cheia de dados e números sobre elas, vocês. E nós. Último censo do IBGE: o número de divórcios triplicou, enquanto o de casamentos formais, de papel passado, caiu 12%.
O amor se tornou líquido, não é, Zygmunt Bauman? “Se hoje vivemos em redes virtuais, que aproximam e afastam as pessoas, somos capazes de manter laços fortes e relações verticais?”, pergunta.
Eu entendi, deixamos de preservar o passado e começamos a viver um presente perpétuo, a era do hedonismo e consumo desenfreado, vazio difícil de saciar.
Desistimos da sede pelo amor? Não, mulher não é o apêndice do homem, mas a fonte original da vida e a nossa razão de ser. Não nos deixem desamparados. E aprendam com as nossas fraquezas e com todos os erros.
Amar ainda é a única maneira de convivermos com a sua delicadeza e alimentar nossa vocação de proteger e cuidar. Não façam do homem uma noite sem vento, um mundo sem gravidade. Parecemos tolos e infantis, controladores e insensíveis. Mas as amamos tanto…
Acaba mesmo? Comece outro. Antes que a amargura substitua o brilho dos seus olhos. E a pieguice, a rima e as metáforas sejam extintas.
terça-feira, 16 de março de 2010
Quanto mais apertado pela concorrência, mais cresce

"O amor é um polvo capitalista; quanto mais apertado pela concorrência, mais cresce. Quando já não houver espaço para uma expansão na vertical, ele há-de estender-se horizontalmente, em variações de gama e criações de subprodutos, por sobre todas as disformidades do mundo - o que é feio, senão uma verdade diferente daquela para que fomos codificados?".
(Nas tuas mãos, Inês Pedrosa, p. 130)
segunda-feira, 1 de março de 2010
Preciso compartilhar

Esta manhã recebi um depoimento LINDO-DE-VIVER da Ciça Moura, uma das poucas pessoas que possuem lugar cativo no meu coração, além de ser minha amiga carioca mais especial. As palavras poderiam ter virado o "quem sou eu" do perfil deste blog, porque ela me define como poucos. Mas, resolvi que vira post, para alegrar essa semana chuvosa, que já começou tão feliz. Obrigada Ciça ;)
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Um dia esbarrei com um recado que suscitava dúvidas acerca de seu propósito: uma linda menina loira de olhos de sonho evocava interessados em um clube de leitura à la Jane Austen. "Só pode ser vírus", pensei. Decidida a arriscar em nome do interesse, respondi o recado e, antes de ser de fato uma participante do Clube, ganhei uma amiga com A maiúsculo. Assim ao acaso, como todas as boas coisas da vida devem ser. Seria mentira dizer que essa menina com cara de anjo e sotaque gaúcho chegou de mansinho em minha vida. Foi um verdadeiro tsunami, afinal intensidade é seu nome do meio. Impressionei-me com a facilidade com que consegue mesclar inteligência, humor e sagacidade o tempo todo. Nunca espere dela frases feitas, clichês e afins. Espere desafios, abismos e perspicácia em estado bruto, a despeito da delidadeza com que leva a vida. Sorte minha, nesse mundo medíocre, ter esbarrado com essa figura sensacional. Dizer o quanto gosto de ti, minha amiga, não abrange o tamanho do meu bem-querer. Grande beijo.
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Para falar de amor

Para falar de amor
Para falar de amor é preciso falar de saco de sal e de limão. Lembro de minha avó dizendo que só sabe o que é amor quem já comeu um saco de sal juntos. Roda por aí que amor é quando alguém te dá um limão e você faz uma limonada. É engraçado. Eu posso dizer que amor é quando a gente faz um poema para alguém. Quando alguém faz uma música para alguém, dizem que é amor. Quintana disse: “O amor é quando a gente mora um no outro”. Danilo Caymmi cantou o amor. “O que é o amor? Onde vai dar? Parece não ter fim. Uma canção cheia de mar que bateu forte em mim”. Dizem também que amor é tirar da sua boca para alimentar alguém, fazer o bem sem olhar a quem. Mas o que é o bem, não é? Sabe lá. Amar é discórdia. Lacan dizia: “Amor é dar o que não se tem a quem não é”. Concepção irresistível de tão linda. Eu amo.Tu amas. Ele ama. Nós amamos. Vós amais. Eles amam. Você ama. É a força do verbo. E dizem que amar é jamais ter que pedir perdão. Amar é sofrer. Amar é quando se ri junto e então um olha dentro do olho do outro, e ri mais ainda. Amar é conviver. Morrer. Ceder. Calar. Passar a bola. Incrível! Dar um tapa na cara por vezes é amar. Morrer de ciúme. Escrever. Lavar uma pia cheia de louças. Cozinhar. Tirar um cisco do rosto de alguém. Um bichinho, uma folhinha. Até um cabelo teimoso que entra na frente do olho. Matar uma barata. Sair de cena. Entrar em cena. Abrir a janela e jogar as tranças. Eu te amo Rapunzel! Tomar veneno como os meninos de Shakespeare. É partir. É ficar. É cantar. Esconder coisas para alguém achar. Como um anel de brilhantes no meio de uma truffa? Pode ser. É escrever “Eu te amo, Sara” num outdoor daquela avenida onde ela sempre passa. É passar na frente da casa de quem se ama. Olhar. Divagar. Amar é divagar. Mas também é manter os pezinhos no chão, bem juntinhos de quem se ama. Amar é fazer e não deixar pegadas. É ver o rosto de quem se ama em outros rostos. É só pensar na pessoa. É se sentir uma pessoa. Amar é assustar a passarada no meio do caminho e se rir disso. Amar é apreciar o vôo de quem voa. Tremer enquanto o outro voa. Amar é tremer quando ela chega. Quando ele chega. É ficar sem palavra nenhuma na boca. Amar é beijar o rosto, a testa. É transcender o beijo que voa. É fazer a outra pessoa sentir que voa. Amar dá vontade de dar beijo na boca. É liberar a boca para dizer: Eu te amo. Amar é andar num metropolitano. É dizer, sou sim soteropolitano! Que me diz, Coriolano? Amar é fazer graça com as coisas, até com ideia de amar. Que é sim, apenas uma ideia que é sua e que é diferente da ideia de quem você ama. Mas são ideias de amor. Ideias de amar. E valem. Amor é não colocar preço. É colocar as cartas na mesa. É esconder o jogo. Amar é entrar no jogo. Abandonar o barco. Amar é dizer: Eu vou nadando. Sambando. Cantando. Eu vou com você. Amor é “eu & você” escrito no tronco da árvore. Ou na areia, que depois a água do mar lambe e é testemunha disso para sempre. Amar é testemunha que se cala. É um grito, de repente, no meio da sala. É colocar as roupas todas da mala e dizer: Adeus. Dizer Ah! Deus! Como eu amo! É, diante do tanto que nos assombra, lembrar coisas como o andróide que salva seu caçador em Blade Runner (se você não assistiu, assista) e cantar de peito aberto como Maria Bethania, que tão lindamente cantou a música “Sonho Impossível”: “Sonhar, mais um sonho impossível”... Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz... E o mundo vai ver brotar uma flor do impossível chão”. Salve a força disso, que afinal, é amor também.
(Clotilde Zingali, Jornal A NOTÍCIA, 04 de fevereiro de 2010. Caderno ANEXO, p.03)
sábado, 27 de fevereiro de 2010
Acaba - e (re)começa

O amor acaba
O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
(Paulo Mendes Campos)