sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Não pensamos palavras, pensamos somente frases

Valéry dizia: “Não pensamos palavras, pensamos somente frases”. Dizia isso porque era escritos. É chamado escritor, não aquele que exprime seu pensamento, sua paixão ou sua imaginação por meio de frases, mas aquele que pensa frases: um Pensa-Frase (quer dizer: não inteiramente um pensador e nem inteiramente um fraseador).

(BARTHES, 2008, p.60-61)

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Caio F. e o fluxo de consciência

"(...) a frase de Beckett dando voltas na cabeça: nenhuma dor, quase nenhuma dor... (...) tons dourado, flores mortas, como te amei e não disse... (...) sinto falta de você... (...) e se eu dissesse de repente e sem pudor eu-te-amo? (...) Olhar com medo, olhar com interesse, olhar com perdão, olhar com naúsea e paixão, e de jeito nenhum compreender nada de onde se está desgraçamente metido... (...) que falta de Ana C.... (...) tudo o que você quiser... (...) ninguém dizendo meu amor, suspeitas... (...) uma carta que não chega nunca... (...) sen-si-bi-li-da-de-ex-ces-si-va não, meu caro: honestidade... (...) saudade, saudade inútil o tempo todo de qualquer coisa indefinida, de alguém desconhecido... (...) ter certeza de que em algum ponto do caminho se perdeu e ponto, e pronto, acabou, e para sempre... (...) por favor me leva daqui para que eu me esqueça de onde sei que estou metido... (...) bota Billie Holliday baixinho, depois me dá um beijo na boca... (...) empurrado pela desordem, sobrevivendo ao naufrágio, agarrado mísero e adjetivoso a meu pedaço de madeira flutuante, e agora chega, chega, let it be, let it be, baby, que la vie, em rose ou black no duro... (...) Quanto a vocês, salve-se quem puder. Porque quanto a mim, querida, querido, queridos - eu? Ah: eu juro por todos os santos que sei muitíssimo bem onde estou metido."

(Caio F. in: A vida gritando nos cantos. Crônica: "A vida é uma brasa, mora?". Ed. Nova Fronteira, p. 25-26. O Estado de S. Paulo, 6/5/1986)

Imagem: Willian Eggleston

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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

E terá mesmo sido?

"E não estou certo se essas lembranças serão boas. Ou seriam boas, lembradas hoje, você me entende? Porque o tempo passado, filtrado na memória e refletido no tempo presente - agora -, parece sempre melhor. E terá mesmo sido? Apenas, quem sabe, porque não havia fadiga lá".

(Caio F. in: A vida gritando nos cantos. Crônica: "Pra machucar os corações". Ed. Nova Fronteira, p. 17)

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Outra cidade, outro país, outro planeta, outra vida que não esta

"E então o acúmulo de contas atrasadas, telefonemas ansiosos, telenovelas chatas, quem sabe algum plano, certas fantasias. Outra cidade, outro país, outro planeta, outra vida que não esta - uma memória de flores no cabelo e pés descalços, pouco antes de o ruído do despertador e de o meu/teu/dele/ nosso coração serem os únicos audíveis dentro da escuridão onde afundamos na lama de nossos sonhos mortos."

(Caio F. in: A vida gritando nos cantos. Crônica: "Pra machucar os corações". Ed. Nova Fronteira, p. 17)

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quarta-feira, 29 de agosto de 2012

do que é universal

"Meu Deus, como sou típico, como sou estereótipo da minha geração."

(Caio F. em carta para José Márcio Penido)

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Do jogo das palavras

"Prosseguindo, o jogo de palavras é para mim o mais celestial dos prazeres. Gosto muito desse jogo - o prazer atinge os píncaros quando, reembaralhadas as cartas, meu jogo parece fraco é preciso forçar o cérebro e lutar muito muito para preencher as lacunas e superar as armadilhas. Esqueça o destino: estar em movimento, e pular sobre os obstáculos ou afastá-Laos com um chute, é isso que dá sabor à vida."

(Zygmunt Bauman in: Isto não é um diário. Ed. Zahar, p. 8)

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

da leitura - R. Barthes

Que há de desejo na leitura? O Desejo não pode ser nomeado, nem sequer (ao contrário do Pedido) dito. No entanto, não há dúvida de que existe um erotismo da leitura (na leitura, o desejo está ali com o sei objecto, o que é a definição do erotismo). (...) A leitura aparece assim marcada por dois traços fundamentais. Ao fechar-se para ler, ao fazer da leitura um estado absolutamente separado, clandestino, no qual o mundo inteiro é abolido, o leitor – o lente – identifica-se com os dois outros sujeitos humanos – para dizer a verdade bem próximos um do outro – cujo estado requer igualmente uma reparação violenta: o sujeito amoroso e o sujeito místico. (p. 34-35)

(BARTHES, Roland. O rumor da língua. Lisboa: Edições 70, 1984.)

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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Vitamina C nos relacionamentos

"E assim os leitores aprendem com a experiência de outros leitores, reciclada pelos especialistas, que é possível buscar “relacionamentos de bolso”, do tipo de que se “pode dispor quando necessário” e depois tornar a guardar. Ou que os relacionamentos são como a vitamina C: em altas doses, provocam náuseas e podem prejudicar a saúde. Tal como no caso desse remédio, é preciso diluir as relações para que se possa consumí-las."

(Zygmunt Bauman in: Amor líquido – A fragilidade dos laços humanos, p. 10)

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domingo, 26 de agosto de 2012

Do(s) adeus(es) - por Vanessa Souza

Do(s) adeus(es) - por Vanessa Souza Em janeiro de 2009, perdi meu terceiro avô (meu tio avô, irmão do meu avô paterno). Nesse momento estou em Santa Catarina, e minha última avó que restou (a materna) está muito doente. Procurando umas coisas antigas, encontrei um breve escrito, sobre o tio Artur - na época em que ele faleceu eu estava no Rio, com compromissos e não pude ir para a despedida final. Eis o texto, que mamãe leu na cerimônia fúnebre. "Ao velho Biguá Perder o tio Artur é perder o vó Bertolino mais uma vez. Isso porque considerava-o meu terceiro avô. E hoje, não tendo mais avô algum, sinto um vazio imenso, uma perda irreparável, que o tempo, que alguns dizem ser remédio para tudo, não vai curar. Só a ausência dos que amamos, e já se foram, fica mais suave com o tempo. Porém, esta lacuna está alí, não é esquecida. Quando minha avó Aurea faleceu, pensei que meu pai não suportaria tamanha dor. Foi o tio Artur quem ajudou-o a carregar o peso do desalento. O tio Artur, meu tio avô, era dessas pessoas para todas as horas: hora de compartilhar as mágoas, hora de dividir as alegrias. De tudo isso, ficaram coisas tão boas. A alegria de viver. Os "causos" divertidos que nos faziam chorar de rir. Os banquetes, servidos com muito afeto. E, sobretudo, quando ele nos dizia, assim que chegavámos no sítio dele: "- Quando vocês forem embora, daqui há um mês, não sei como vai ser." Ir embora, uns dois dias depois, sempre era difícil. O que podemos chamar de "casa", pode ser onde fica um pedaço do coração da gente. E parte do coração da minha família sempre vai morar em Angelina (SC), lá no sítio do tio Artur. Com amor, para meu tio avô. Meu avô. Vanessa"

P.S.: três anos já se passaram, e eu nunca mais fui no sítio, onde ainda tenho parentes distantes. Não consegui, sem o velho Biguá por lá. A gente faz o que pode, e eu não pude mais ir lá, sabendo que ele não vai nos receber.

Imagem: Leon Spilliaert

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dos escritores - R. Barthes

"Nenhum objeto está numa relação constante com o prazer (Lacan, a propósito de Sade). Entretanto, para o escritor, esse objeto existe; não é a linguagem, é a língua, a língua materna. O escritor é alguém que brinca com o corpo da mãe (remeto a Pleynet, sobre Lautréamont e sobre Matisse): para o glorificar, para o embelezar, ou para o despedaçar, para o levar ao limite daquilo que, do corpo, pode ser reconhecido: eu iria a ponto de desfrutar de uma desfiguração da língua, e a opinião pública soltaria grandes gritos, pois ela não quer que se “desfigure a natureza”.

(BARTHES in: O prazer do texto. Ed. Perspectiva, 2008, p.46)

**Imagem: filme Nostalghia, direção de Andrei Tarkovski.**

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sábado, 25 de agosto de 2012

diferença entre viver e contar a vida - Bauman

"Qual é, afinal, a diferença entre viver e contar a vida? Não faria mal aroveitar uma dica de José Saramago, fonte de inspiração que descobri há pouco tempo. Em seu próprio-quase diário, reflete ele. "Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados, que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais minuciosos dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel."

(Zygmunt Bauman in: Isto não é um diário. Ed. Jorge Zahar, p. 10)

Imagem: Magritte

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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

dos gestos - Kundera

"Pois não podemos considerar um gesto como a propriedade de um indivíduo, nem como sua criação (ninguém tendo condições de criar um gesto próprio, inteiramente original e pertencente só a si), nem como seu instrumento; o contrário é verdadeiro: são os gestos que se servem de nós; somos seus instrumentos suas marionetes, suas encarnaÇões."

(Milan Kundera in: A imortalidade. Ed. Nova Fronteira, p. 13)

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quinta-feira, 23 de agosto de 2012

tão raramente

(...) essa magia de encantador de serpentes que, despojado e limpo, vai tocando sua flauta e as pessoas vão se aproximando de todo aquele ritual aparentemente despojado e simples, mas terrível [...] onde as palavras se procuram no escuro e no silêncio como mãos que raramente (tão raramente, meu Deus) se encontram e se separam em meio do vazio.

(TELLES, 1992, p. 13)

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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Escrita do Real - Caio F.

"Mas, verdade seja dita, sempre tive para mim que a vida dóia em Caio, muito mais do que costumava doer nas outras pessoas. Acho que foi isso que o levou a escrever e esta dor se reflete de uma forma muito forte na literatura dele".

(Depoimento de Cida de Assis. Paula Dip in: Para sempre teu, Caio F: cartas, conversas, memórias de Caio Fernando Abreu. Ed. Record, p. 225)

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terça-feira, 21 de agosto de 2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

parece que nós continuamos a viver o amor por carência

“O amor nunca é uma dependência, é uma abundância, e parece que nós continuamos a viver o amor por carência. Metemos no amor tudo o que não sabemos onde meter.”

(Inês Pedrosa in: Fazes-me falta)

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domingo, 19 de agosto de 2012

da arte

“A arte tem como função primordial introduzir e até mergulhar o homem na cultura, oferecendo outra visão do mundo ou outro sentido para certos acontecimentos.”

(WILLEMART in: Os processos de criação: na escritura, na arte e na psicanálise, 2009, p.153-154)

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sábado, 18 de agosto de 2012

das rememorações

"Rememoro a minha vida, e é tudo confusão."

(Erica Jong in: O vício da paixão. Ed. Círculo do Livro, p. 338)

Imagem: Juliette Tang

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dos gestos - M. Kundera

"Graças a este gesto, no espaço de um segundo, uma essência de seu encanto, que não dependia do tempo, revelava-se e me encantava. Fiquei estranhamente comovido."

(Milan Kundera in: A Imortalidade. Ed. Nova Fronteira, p. 10)

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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

ponto de vista

"O sonho é um ponto de vista. É um lugar de onde se vê."

(Bernardo Carvalho in: Nove noites. Compainha de bolso, p. 43)

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Do sofrimento e do prazer

"na linguagem corrente, a noção do hedonismo designa uma inclinação amoral para uma vida voltada para o prazer, até mesmo para o vício. Certamente a noção é inexata: Epicuro, o primeiro grande teórico do prazer, entendeu a vida feliz de um modo extremamente cético: sente prazer aquele que não sofre." (

Milan Kundera in: A lentidão. Ed. Nova Fronteira, p. 11)

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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

fonte dos medos

"(...) e portanto, não tem medo, pois a fonte do medo está no futuro, e quem se liberta do futuro nada tem a temer."

(Milan Kundera in: A lentidão. Ed. Nova Fronteira, p. 9)

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terça-feira, 14 de agosto de 2012

esse monstro de duas cabeças: o Tempo

"A equação proustiana nunca é simples. O desconhecido, escolhendo suas armas de um manancial de valores, é também incognoscível. E a qualidade de sua ação fica sob duas rubricas. Em Proust, cada lança pode ser uma lança de Télefo. Este dualismo na multiplicidade será examinado em detalhe com relação ao "perspectivismo" proustiano. Para os propósitos desta síntese, convém adotar a cronologia interna da demonstração proustiana, examinando em primeiro lugar esse monstro de duas cabeças, danação e salvação - o Tempo."

(Samuel Beckett in Proust. Ed. Cosac & Naif, p. 9)

Imagem: The Guardian

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segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Inominável

"O assunto permanecia entre os dois sólido como um acidente geográfico, uma montanha, um cabo. Inominável, inevitável."

(Ian McEwan in: Na praia. Ed. Companhia das Letras, p. 108)

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me dê motivo

Procurou, buscou, cheirou, apalpou por algo surpreendente que a fizesse ficar. Uma palavra, um indício, qualquer coisa que soasse a: fique, este é o seu lugar. Não encontrou. Fechou a última mala com o desalento dos que partem raspando no fundo das lembranças o motivo, o motivo que os levaram até aquele lugar.

(Vanessa Souza in: Dos meus pedaços)

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sábado, 11 de agosto de 2012

E alguém é?

"Quer saber? Eu acho que ela não é muito feliz, não."
No momento em que se despediu de Honório, abraçando-0, Bob perguntou: "E alguém é?".
"Mas pelo menos a gente se esforça, né?, Honório respondeu."

(Marçal Aquino in: O amor e outros objetos pontiagudos. Geração Editorial, p. 79)

Ele não tinha...

Ele viu a morte 
tomar a vida
antes de morrer.

Escuro, montanhas.
Catarro, secreção 
Pedaço de costela. 

Pulmão, entubação
traqueotomia
vão cortar, a
garganta dele.

Operação realizada
Ele não reage
profunda prostração
médicos irritados
com sua resistência
a cura.

Tuberculoso, nenhuma
vontade de viver.

26 de março
1980
13h40
o laudo
medico:
o acidente
não é
a causa
direta da morte.

Ele não tinha porque viver
A vida se mostrava muito onerosa.

Não havia como resistir
a um corpo
a um vida, que lhe
havia escapado.

Caixão aberto
desfilam diante
do corpo minúsculo
pequenino, inútil
desamparado.

Caixão fechado,
levado num carro fúnebre,
para Urt.

Barthes foi embora
para um lugar
onde todos iremos.
 

 
(Carlos Alves)

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Olhos de adeus

E tudo parecia tão diferente do que sempre fora. Nunca havia notado as sapatilhas de bailarina, penduradas no teto daquela loja que fora tantas vezes comprar cadernos bonitos. Talvez, apenas talvez, nunca vira antes o teto pois agora ela enxergava tudo com olhos de adeus.

Vanessa Souza in: Dos meus pedaços

quinta-feira, 9 de agosto de 2012



não sustentavam ilusões com primaveras sofísticas


"Vida toda fui assim; meus pais também eram lúgubres; minha mãe pouco mais ciclotímica às vezes concedia espaço às traquinices; ao riso frouxo; modo geral comportavam-se Em consonância com a ruindade da vida: não sustentavam ilusões com primaveras sofísticas".

(Evandro Affonso Ferreira in: Minha mãe se matou sem dizer adeus. Ed. Record, p.78)

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um jeito de encarar o medo

Posso não imaginar o paraíso, mas o inferno eu pude ver. O pesadelo 'e um jeito de encarar o medo com olhos de quem sonha.

Bernardo Carvalho in: Nove noites. Compainha de bolso, p. 43