terça-feira, 15 de março de 2011

Mas por que a plenitude de horas mansas, se dentro da polpa dos dedos essas horas tinham agulhas?

“Seis anos antes, a dor apareceu na sua vida como um monstro saltando do armário. O jacaré escondido debaixo da cama, que poderia morder a sua mão, se a deixasse para fora do lençol.
Veio rebocando perguntas.
Mas porque tudo tinha sido tão confortável até então?
Mas por que o sol, o gozo, o sorriso? O rio correndo, o vento?
Mas por que a plenitude de horas mansas, se dentro da polpa dos dedos essas horas tinham agulhas?
Então se fez a quieta revolução dos passos. A senhorinha sentada no sofá avisou que não ia embora. Pediu um café, um chá, um copo d’água. (...) E percebeu que bastava isso: tomar cuidado com os passos. Se eles tocassem os lugares certos, todo o resto estaria bem. Transitava pela sala de estar com sua visita a observá-la. Colocava um pé na frente do outro na frente do outro na frente do outro. Servia o chá, o café, o copo d’água.”

(Adriana Lisboa in: Rakushisha. Ed. Rocco, p. 86)

4 comentários:

  1. A violëncia da tranquilidade.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  2. Toda vez que venho aqui, sinto que estou dentro de uma estante despindo vários livros, me encaixo em cada palavra... Um enigma surge, mente quieta, e os ais da vida!

    ResponderExcluir
  3. o chá, o café, o copo d'água, o cappuccino, o milkshake, o whisky, a vodka, o vinho... aí já vai piorando de vez e os pés tropeçam.

    ResponderExcluir
  4. Ou sou eu que estou fora de sintonia ou esse é um dos fragmentos mais enigmáticos que já li por aqui...

    ResponderExcluir

So if you have something to say, say it to me now