sábado, 19 de setembro de 2009

Leitura de sábado de manhã


"(...) Em pleno século da técnica, Mário faz uma serena defesa do impulso. Vai mais longe: admite que o pensamento não é a origem da literatura, mas só um complemento. Algo que vem a posteriori, um ornamento com o qual o escritor justifica o que faz".

"(...) Hilda Hilst: "Sou eu esta mulher que anda comigo?".

"(...) Pensamentos não passam de trampolins, desde os quais os escritores se lançam no grande mar das palavras. Não devem ser camisas-de-força. Escrever é se desmentir. É ceder o lugar a esse outro que, como dizia Hilda, anda ao nosso lado".

"(...) Júlia Capovilla, a protagonista de Manoela, é uma mulher asfixiada pelo projeto amoroso do marido, Klaus. Ele a reduz à posição de personagem. Sente-se presa à felicidade que o marido planeja para ela. Pode até ser felicidade, mas não é sua".

"(...) O autodidata Leon a conduz por um caminho imprevisível que não chega a lugar algum..."

"(...) Desde menina, Júlia sofre atração pelas mentiras, isto é, por aquilo que não se encaixa na realidade".

"(...) A paixão por Leon - irreal, impossível, imperturbável - a afasta da banalização do mundo. Não chega a conduzir a outro mundo, mas permite que ela o vislumbre.

"(...) Em suas horas mais difíceis, Júlia sente o desejo de desaparecer. "Fechar para sempre as janelas, deixar de constar nas listas, ser apagada de todos os sistemas", ela descreve. Esse desejo não deve ser confundido com o desejo de morte. É, ao contrário, o desejo de ser outra - isto é, de duplicar a vida. Ampliá-la".

"(...) Ali onde os fatos do mundo vigoram, Júlia escapa. Já quando a fantasia manda, ela se entrega. Nos momentos em que o desespero a assola, repete para si mesma: "Júlia Capovilla, esse é meu nome, não Leon, não Klaus, não Ariana". Último reduto do ser, o nome (a palavra) ainda assim não lhe basta. Nessas horas, Júlia se pede: "Fale algo, mas não tudo". Alguma coisa deve ser preservada, pois também a transparência mata".

"(...) É quando perde o chão, e ninguém a ampara, que pode se reinventar. É nesses momentos também que o escritor, um tanto fora de si, e para não perder o fio em que a vida lateja, se põe a escrever. Manoela tem uma escrita nervosa, que está em constante descompasso com seu desejo de contar uma história".

(A régua quebrada, José Castello, caderno Prosa & Verso, O Globo, 19-09-09, p. 4)

Imagem: Grete Stern. Título: Botella.

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