Anna Ancher |
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de-flandres,
folha de taioba, pouco importa: tudo serve.
Para louvar a Deus como para aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso. E meu verso me agrada.
Meu verso me agrada sempre...
Ele às vezes tem o ar sem-vergonha de quem vai dar uma
[cambalhota
mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito triste.
A culpa é da sombra das bananeiras de meu pais, esta sombra mole,
[preguiçosa.
Há dias em que ando na rua de olhos baixos
para que ninguém desconfie, ninguém perceba
que passei a noite inteira chorando.
Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma viola...
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
À beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrego
[vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda também era...
No elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.
Quem me fez assim foi minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter nascido com essa tara.
Para mim, de todas as burrices, a maior é suspirar pela Europa.
A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro
e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos.
Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só,
lê o seu jornal, mete a língua no governo,
queixa-se da vida (a vida está tão cara)
e no fim dá certo.
Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou.
Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?
Carlos Drummond de Andrade, do livro: Alguma Poesia / Antologia Nova Reunião, 23 livros de poesia. Ed. Nova Reunião. Pág. 47)
Enviado pela leitora Jenifer Carmo, do blog http://consideracaodopoema.blogspot.com/
Para participar:
1) O fragmento (um trecho que não seja imenso) pode ser de livro ou filme (diálogo). Enviem seu fragmento favorito para meu e-mail (vanessa.sza@bol.com.br) e o título do e-mail
deve ser: Qual seu fragmento favorito?
2) É necessário que o autor/roteirista/diretor/poeta seja publicado/conhecido, para citarmos a fonte corretamente. Autor, título do livro. Com editora e página, melhor ainda. Assim, o leitor pode ir atrás da obra.
3) O nome do leitor e o link do seu blog vão constar aqui, para a divulgação dos mesmos. Quem é leitor mas não tem blog também pode participar. No final de janeiro o fragmento que mais me tocou vai ganhar um DVD + um livro.
... é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-de.
ResponderExcluirficou tão lindo, minha Querida.
gostei muito da surpresa.
um beijo de saudade e poesia.
Me enfeito de versos!
ResponderExcluirO Drummond é um génio.
Seguindo-a de volta, beijão Vanessa!
Mais brasileiro impossível! Orgulho, sempre.
ResponderExcluirBeijos.