terça-feira, 4 de maio de 2010

Se e nunca


"(...) Nunca dei presentes a ela, nunca recebi nada. Não conheci a letra dela, nunca a vi escrevendo. Não sei se sua caligrafia era redonda ou inclinada, legível ou feia, ou se ela colocava bolinhas em lugar dos pingos nas letras. Eu nunca disse que a amava nem a ouvi dizer isso para mim. Nunca falamos de amor, de filhos, de amantes, de passado. De futuro. (...) Foi assaltada alguma vez? Transou quando na verdade estava a fim de dormir e esquecer? Nunca soube se ela viajou de trem ou de navio. Se teve vontade de matar alguém que um dia amou. (...) Se alguma noite perdeu o sono por causa de dívidas. Se pensou em fugir. Se lembrava dos sonhos depois que acordava. Se sonhava. (...) Se sorriu para pessoas pensando em mandá-las à merda. (...) De gente que tem medo do escuro. E de quem sabe que temos escuros dentro da gente. Eu não soube nada disso. (...) E era bom. No entanto, eu sabia sua altura. Por que ela precisava ficar na ponta dos pés toda vez que nos beijávamos".

(Conto Sete Epitáfios para uma Dama Branca (Que, descalça, media 1,65 m e, nua, pesava 54 quilos), de O Amor e Outros Objetos Pontiagudos, Marçal Aquino, p. 30)

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