sábado, 15 de maio de 2010

Sartre – a inapetência e a ojeriza


Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905-1980) filósofo francês, escritor e crítico, conhecido representante do existencialismo tinha repulsa aos crustáceos. Ele os descrevia como insetos cuja consciência problemática o perturbava.

“É um alimento escondido num objeto e que necessita ser extirpado. É principalmente nessa noção de extirpar que me enoja, o fato de a carne do bicho estar tão calafetada pela casca que seja preciso utilizar instrumentos para extraí-la em vez de soltá-la por inteiro. É algo que se apega ao mineral”. (A cerimônia do Adeus, Simone de Beauvoir, Ed. Nova Fronteira)

Influenciado pelo nojo aos “bichos obscuros”, Sartre plantou os alicerces de algo que poderia ser chamado de metafísica do buraco. No Diário de uma guerra estranha, ele delimita por vezes as teorias de Freud que associam o buraco à fecalidade, à satisfação e o bem estar. Assim, fez do buraco a falta que exige seu preenchimento.

Em O ser e o nada, Jean-Paul faz uma análise fenomenológica da alimentação. Segundo ele, essa tendência do ser humano de preencher é um dos princípios que leva ao ato de comer. Comer, além de outros motivos, serve para tampar o homem.

Quantidade e qualidade não faziam a menor diferença ao filósofo, naquilo que caísse em seu prato. Simone afirma que ele comia qualquer coisa, a qualquer hora, de qualquer jeito.

Em 1973, e com a saúde debilitada pelo álcool, tabaco e a falta de cuidado com a alimentação, quis ter uma experiência com mescalina. O objetivo era nobre – para ele: desejava medir em si mesmo os efeitos produzidos por um alucinógeno na formação das imagens de um indivíduo. Beauvoir, sua fiel escudeira, conta o resultado da intrépida experiência, tal como Sartre a narrou.

“Dos dois lados dele, por trás (dele) fervilhavam caranguejos, polvos, seres fazendo caretas”, (A força da idade, Simone de Beauvoir, Ed. Nova Fronteira)

Foi a vingança dos crustáceos! Sartre alucinou que lagostas o perseguiam, e que ele combatia com polvos, que certamente o derrotariam.

Jean-Paul poderia ser rotulado como um homem que tem nojinho de comer. Quase tudo. Também não gostava de tomates, nem frutos em sua forma natural. Ah, de pão, certa vez, ele afirmou que gostava. A mãe dele deve ter sofrido com tanta inapetência.

A série inspirada no livro O ventre dos filósofos – crítica da razão dietética, de Michel Onfray acaba por aqui. Dos glutões aos que comiam sem vontade, um breve panorama sobre como estes grandes homens se alimentavam. Além de descobrir como eles queriam mudar a sociedade, através da alimentação.

Texto: Vanessa Souza
Fonte: O ventre dos filósofos – crítica da razão dietética, Michel Onfray, Ed, Rocco, 1990.

Publicado originalmente em: http://www.informativomalagueta.com.br/edicao.asp

2 comentários:

  1. Sartres é um daqueles escritores que você sabe que têm que ler...e mesmo assim ainda não resolveru adentrar nele...

    ...Pelo menos este é meu caso!

    ResponderExcluir
  2. Sartre e os crustáceos, dá um bom título de livro. São Martinho não admitia a ingestão de peixes, argumentava que não se podia comer uma criatura na qual corpo e cabeça se confundem. Grande abraço.

    p.s. a série já acabou? sniff, sniff

    ResponderExcluir

So if you have something to say, say it to me now