sexta-feira, 25 de dezembro de 2009
Maria Adelaide Amaral - IV
"Muitos anos antes, porém, quando por alguma razão Bruno não ligava, Ana perdia a fome, o sono, tinha fantasias de abandono, os olhos ficavam opacos, o rosto murchava, o vigor lhe escapava por todos os poros. Ana, que abominava essa dependência e sujeição, amaldiçoava o dia em que tinha se apaixonado por ele. Muitas vezes tentou se munir de forças para o extirpar de dentro dela, porém jamais conseguiu fazê-lo. Bruno era a fonte de seus males, mas também o de sua vitalidade e alegria; sem ele não havia futuro, o passado empalidecia e o presente era treva gelada.
- Acabou - Ana dizia para si mesma nessas ocasiões. - Acabou - repetia, decretando o fim de seu insuportável sofrimento. Mas, então, subitamente, o telefone tocava e a voz de Bruno tornava a vida possível outra vez.
- Sentiu minha falta? - ele sempre perguntava depois de uma ausência.
- Hum-hum - ela respondia, econômica, embora sua vontade fosse confessar que morrera à míngua, ele era o ar, a água, o fogo e a terra, e bastava ele dizer "alô" para que sua vida se transfigurasse imediatamente. Com Bruno era mais fácil dormir e acordar, mais agradável escrever e recordar e a música, as evocações e a paisagem ficavam mais nítidas, e tudo a mobilizava para o admirável ato de viver".
(O Bruxo, Maria Adelaide Amaral)
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