domingo, 31 de outubro de 2010

Havia aquele E SE pendurado no ar como um móbile


“Foi o desenho quem a trouxe para perto, mas vindo para perto ao mesmo tempo Yukiko se afastava, tinha a sua vida que a puxava para a superfície como uma bóia, e o mergulho, em algum momento, invariavelmente sofria uma reviravolta e se tornava afogamento. Onda que arrebentava e recuava. Mar se esticando e se recolhendo outra vez. Era preciso nadar de volta, recuperar o fôlego. (...) Havia risos também, instantes espremidos no punho cerrado do segredo. Dois dias que não existiram na história oficial. (...) Havia música. Havia aquele E SE pendurado no ar como um móbile, como um sino de vento, chacoalhando o tempo todo, acenando – E SE, E SE, E SE. Metálico e suave como cabia.
No domingo voltaram para o Rio e para as suas casas e para as suas outras respectivas máscaras. O tráfego na estrada era feio e cinzento, e a cidade estava encapada com uma crosta de poluição”.

(Rakushisha, Adriana Lisboa, p. 81-82, Ed. Rocco)

Pára tudo! Inês Pedrosa no Rio de Janeiro

Dia 05-11 (próxima sexta), às 19h a Inês Pedrosa lança "Os Íntimos" na Travessa do Shopping Leblon.

Caetano Veloso, fã dela, vai ler trechos do romance.

Preciso escrever algo mais? :D

Carinho como preservativo do amor


"(...) que continuava a ter muito carinho por ela e que se veriam um dia destes. Carinho. A palavreca chilra que os homens usam como preservativo do amor. Que se foda o carinho".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 108)

Mas ninguém nos diz


"Arrumei os amores, é a primeira regra da vida - saber arquivá-los, entendê-los, contá-los, esquecê-los. Mas ninguém nos diz como se sobrevive ao murchar de um sentimento que não murcha”.

(Fazes-me falta, Inês Pedrosa)

Muita habilidade para a vida. Ou muito sentido pragmático


“Enfim, esses ciúmes de mulher. Que eu nunca entendo porque são polvilhados de um egoísmo vulgar, de bolero barato. Só se deve ter ciúme do que vale a pena, do que é verdadeiramente importante. Não devemos desgastar-nos sentindo ciúme de tudo. Mas as mulheres não pensam assim. São capazes de sentir ciúme do ao mesmo tempo e com igual intensidade e veemência do marido, do amante, e de dois namorados. Têm muita habilidade para a vida. Ou muito sentido pragmático”.

(Pedro Juan Gutiérrez)

sábado, 30 de outubro de 2010

Você me faz falta. Antes que eu te conhecesse. Você me faz falta agora.

Imagem: Lucian Bernhard

"Você me faz falta. Antes que eu te conhecesse. Você me faz falta agora. Isso significa refazer um trajeto. Voltar a você e à falta que você me fez e me faz e há de me fazer sempre. Mesmo que eu esteja ao seu lado. Mesmo que eu sinta a sua mão dentro da minha e o seu corpo fabricando ondas de calor. O suor discreto da sua mão dentro da minha.
Há outro modo? Se é preciso (e é preciso) ter você, há outro modo?"

(Rakushisha, Adriana Lisboa, p. 121, Ed. Rocco)

Todos os meus personagens são tristes - Nelson Rodrigues



"O que significa escrever para você?
Se eu não escrevesse, seria um desgraçado. A rigor, se você examinar bem, todos os meus personagens sã0 tristes. Salvo algum esquecimento, não vejo ninguem alegre".

(Entrevista de Nelson Rodrigues - Viver & Escrever 3, Edla van Steen, p. 73, Ed. L & PM)

Coisas assim


"Delicadeza que eu não podia suportar. O amor que beirava a raiva. Coisas assim deviam morrer antes de vir ao mundo, deviam ficar suspensas em alguma realidade paralela, coisas assim deviam reconhecer, antes de se materializar, que a matéria não é seu campo, não é seu gênero, e que devem se ater ao sonho puro, ao devaneio. À fabulação. Coisas assim deviam deixar este mundo em paz".

(Rakushisha, Adriana Lisboa, p. 67, Ed. Rocco)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Não sei responder porque sofro de urgência


"Espera é ou não é? Não sei responder porque sofro de urgência e fico incapacitada de julgar esse item sem me envolver emocionalmente. Não gosto de esperar".

("O relatório da coisa", do livro "Onde estivestes esta noite", Clarice Lispector)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Preciso dessa vida verdadeira que escondi debaixo da tua pele - Inês Pedrosa


"Enquanto os nossos camaradas celebravam nas ruas, nós fabricávamos o amor a partir do zero, no deslumbramento silencioso de um deus que subitamente descobrisse as coisas de que era capaz. Amávamo-nos como se o amor fosse apenas um suplente íntimo dessa revolução que nunca mais chegava. A revolução já tinha chegado, mas nós não sabíamos. Só em Junho de 1974 se lembraram de nós, fechados naquela casa clandestina. Muitas vezes, ao longo da minha vida, desejei que nos tivessem esquecido ali para sempre. Desejo ingrato, infantil. Tive uma vida boa. Consegui ser a advogada que queria ser, cobrar bem aos ricos para defender melhor os pobres. Encontrei um homem que entende o amor como partilha absoluta - nunca senti o peso do trabalho doméstico ou da educação dos filhos. Tive dois filhos que só me trouxeram alegria e serenidade, e tenho já um neto que parece um reclame sobre o brilho da vida. E tive-te, atrás do espelho, todas as manhãs da minha vida. Porque foi sempre para ti que me quis bonita, mesmo nos dias escuros. É em ti que penso, quando escolho a roupa ou escovo o cabelo, todos os dias. Na possibilidade de te encontrar, no acaso de uma esquina. Lisboa é tão grande e tão pequena - porque não havia de te encontrar? Queria ser a mesma, nesse encontro. A mesma, com a luz das rugas que me faltavam no tempo em que nos metíamos por dentro do corpo um do outro como se sozinhos fôssemos apenas pedaços de um corpo mutilado.
Adormeci todas as noites da minha vida nos teus ombros estreitos de adolescente eterno. Nunca foste bonito, mas possuías um não-sei-quê de juventude ancorada que te tornava imediatamente comovente. Usavas e abusavas desse não-sei-quê. Não acreditavas em nada, vivias num aquário de sonhos impossíveis que fazia de ti um anjo negro, abismo de lágrimas congeladas. Eras ardiloso, sorrateiro e impaciente como as crianças; cruzaste-te comigo duas vezes em reuniões de célula e pouco depois fechavam-nos juntos naquela casa clandestina. Nem sob tortura confessarias que tinhas movido os teus cordelinhos para ires viver comigo. Entre o segundo encontro e a nossa definitiva "coincidência no mesmo espaço", como diria a Madalena, perita em justificações espaciais, o teu íntimo amigo António descaíra-se, numa noite de copos. Ralhou-me por causa do meu namorado imberbe e pequeno-burguês e revelou-me que tu me achavas linda e lastimavas que eu nem sequer olhasse para ti. Esta curta e embriagada confissão em diferido mudou a minha vida. Provavelmente encomendaste-a, nunca o cheguei a saber. Quando, há meia dúzia de anos, fui ver o António ao hospital, encontrei-o tão próximo da morte que já não tive coragem de esclarecer os bastidores desta frase minúscula que mudou a minha vida inteira. Não quis que o António percebesse que era ainda para o ouvir falar de ti que precisava dele.

Depois de sairmos de casa, deixaste de me procurar. Creio que te fazias encontrado comigo, mas como eu também me fazia encontrada contigo, nunca cheguei a ter a certeza de que, de facto, me procuravas. Repetir-me-ias muitas e muitas vezes que não eras talhado para a vida conjugal. "Mas nós já vivemos juntos", disse-te eu, uma vez, desesperada. Sorriste, e era um sorriso tão meigo quando sarcástico - ou pelo menos assim me lembro dele: "Só por necessidades imperiosas da revolução". De outra vez disseste-me que, na vida real, eu não aguentaria uma semana contigo. Ou talvez eu tenha inventado que tu me disseste isto. Pouco importa. Posso ter inventado tudo, menos o fulgor perfeito dos nossos corpos juntos. Uma vida inteira não basta para apagar da pele o peso magnífico desse fulgor. Só sexo, disseram-me as amigas íntimas, quando eu ainda chorava com elas a saudade do êxtase. Só sexo, fogo e palha, talvez tenham razão. Mas é disso que trata a vida, a minha vida: só sexo. Contigo. O prazer que o meu corpo conhece é o que aprendeu no teu, e foi esse que o meu corpo ensinou aos outros homens, aos vários em que tentou enganar a tua ausência, ao único que soube contornar a tua ausência para permanecer em mim.

Todas as noites me acaricio com os teus dedos, fecho os olhos e sugo os teus dedos sob o contorno dos meus e conduzo-te pelo meu corpo como tu me conduzias. Todas as noites rebolamos da cama para o chão e do chão para cima da cómoda do teu quarto e para a mesa da sala e para as lajes frias da cozinha, todas as noites percorremos abraçados a casa velha onde já não moras, a casa velha que se calhar já se desmoronou sem a nossa ajuda. Todas as noites tu entras em mim por todas as portas, a tua língua silenciosa desperta vertigens desconhecidas nas partes secretas das minhas orelhas e das minhas pernas e dos meus pés. Todas as noites sinto o castanho dos teus olhos grandes dissolvendo-se nos meus com uma felicidade quente, imensa, vejo os teus quadris estreitos de rapaz dançando sobre o redondo do meu ventre, das minhas nádegas, todas as noites os teus dentes mordem o meu pescoço no sítio exacto em que o meu corpo guardava a última fechadura, todas as noites volto a subir a esse monte dos vendavais só nosso. Só sexo, seja.

Tantas vezes te pedi: "Diz-me que me amas, diz só uma vez. Mesmo que seja mentira. Diz-me. Só para eu guardar o som da tua voz a dizer essa palavra". Tinha vinte e três anos, e tu tinhas vinte e nove. Depois dos trinta, deixei de te fazer declarações de amor. Julgava-me madura, ardilosa - pensava que bastava prescindir das palavras para não te perder. Mas não eram as minhas palavras que te perdiam. Tu eras um pintor e já não ias ser pintor. Só com o tempo foste lendo o resto, o resto dos restos que era tudo: que eu sabia que tu eras pintor. O artista do meu corpo secreto, uivante, um tecido de fios de luz que só os teus dedos acendiam, e rios, rochas, relvados amaciados pela tua lingua, uma asa à medida do teu voo, uma casa em que tu moravas de todas as maneiras. Falavas pouco, quase nada, por isso me lembro tanto das tuas palavras todas: "Este apartamento já conheço, podemos passar ao outro?", perguntaste. Se eu contasse às minhas amigas que as tuas palavras eram estas, apenas estas, sussuradas com um sorriso trocista de timidez, elas fariam troça de mim. De nós. Por isso contei apenas o essencial: que tu me fazias sentir bela. Que conseguiste que eu me sentisse bela a vida inteira. De cada vez que o espelho me anunciava mais uma marca do tempo, mais uma prega na carne, eu acariciava-a com os teus dedos, sentindo o prazer que tu sentirias, ao descobrires novas rotas no mapa do meu corpo. No início, dizias-me também às vezes: "És tão nova". Não era um elogio; havia um tom de decepção ou desencontro nesse teu comentário. E eu tinha pressa de encarquilhar, de envelhecer até ficar parecida com as mulheres que amaras antes de mim. Nunca me elogiaste. Encontrávamo-nos por causa do Partido, levavas-me para tua casa, com os pretextos mais nevoentos - um debate político na televisão, o ofício que ias entregar ao Ministério -, e quando fechavas a porta começavas a beijar-me. As pálpebras, o lóbulo da orelha, a curva do pescoço ou o espaço entre os dedos. Só sexo. Nunca começavas como nos filmes. Também nunca perguntaste essas patetices deprimentes que as pessoas copiam dos filmes: "Foi bom?".

Saí do consultório e pensei que tinha de te encontrar. Não sabia como. Há pelo menos vinte anos que não tenho o teu telefone. Um dia desisti de ti. Tive medo de deixar de fazer parte do mundo, de continuar sozinha contigo, só sexo. Conheci um homem que seria indigno trair, um homem que me seduziu porque era o oposto de ti. E decidi ser feliz. Sei vagamente onde moras, ou onde moravas, há cerca de cinco anos cruzei-me com a tua mulher numa festa e percebi que ela dizia: "desde o meu divórcio". Claro que podia estar a falar do seu primeiro casamento. Mas como mudou de assunto assim que me viu, pareceu-me que só podia estar a falar de ti. Nunca fomos apresentadas, eu e a tua mulher, ou ex-mulher. Mas eu sei que ela sabe muito de mim. Os olhos da mulher de um homem que nos ama são indiscretos. Também nos olhos dela encontrei o teu amor por mim. Amor não é a palavra exacta. Amor é o que eu sinto pelos meus netos, pelos meus filhos, pelo pai deles, até pelo meu cão. Pobre cão. Se calhar vai deixar de comer quando eu morrer. Vai ficar sentado à porta, esperando por mim até à morte. Os cães não conhecem a morte, por isso podem morrer de amor. Ficam à espera até ao fim, não se deixam consolar.

Tu tens alma de cão vadio, sabes amar sem desconsolo. Se fosses morrer daqui a um mês ou dois, como eu, saberias fazer-te encontrado comigo? Talvez soubesses. Da última vez que te vi - há nove anos, no cinema - aproximei-me para te pedir um cigarro e disse-te, mesmo antes de ti: "Que disparate. Deixaste de fumar há uma semana, bem sei, desculpa". Como é que sabes?" - perguntaste-me, atónito. Sorri, encolhi os ombros, não cheguei a responder-te. Como é que eu sabia? - Ora, como sei tudo de ti. Através dos sonhos. Agora sento-me no café em frente do Ministério, à espera que tu saias e venhas ter comigo. O Ministério mudou de nome, mas de certeza que tu ainda lá trabalhas. Sempre foste um homem de hábitos e nunca cultivaste grandes ambições. Peço uma bica e começo a fazer contas. Oxalá a tua ambição tenha sido pelo menos suficiente para te afastar da pré-reforma. Também não te imagino em casa, a fazer palavras cruzadas o dia inteiro. Do Partido desististe muito antes da moda da renovação.

Cinco e trinta e cinco. Lá vens tu, de pasta na mão, com o mesmo andar sorrateiro, falsamente tímido, de rapaz antigo. Entras no café. Levanto-me. Os teus olhos crescem e iluminam-se para me ver. Acaricias-me o cabelo, e dizes: "Tens outra vez o cabelo muito comprido". Isto é um elogio. Nem tu sabes ainda como me vai ser útil esse teu elogio, nos meses que faltam. Comprarei um cabelo igual para tu veres. Neste, ainda o meu, quero que mexas. Prendo-te a mão ao meu cabelo. Falamos de coisas soltas, bebes uma cerveja, prometes uma vez mais que um dia me ensinarás a gostar de cerveja. Depois pegas na pasta e perguntas se por acaso não quero ir até lá a casa ver umas fotografias dos tempos antigos. Fechas a porta e começas a beijar-me, primeiro os olhos, depois o lóbulo da orelha, depois o pescoço, enquanto os teus dedos me abrem a camisa e me procuram os seios. Beijamo-nos de olhos abertos, como sempre, e é de olhos abertos que procuro cada uma das novidades do teu corpo, os sítios onde a tua pele se dobra, o cheiro agora mais adocicado do teu sexo.

Entramos um no outro de olhos abertos, como se mergulhássemos num mar de silêncio e fogo escuro. A meio da noite peço-te que me deixes ficar contigo um mês - "só um mês, prometo. Posso?" Não me respondes, claro. A não ser que os beijos sejam uma resposta, e eu preciso de acreditar que sim. Preciso dessa vida verdadeira que escondi debaixo da tua pele, antes que o cabelo me caia, antes que comecem os enjoos e as dores, antes que o meu corpo seja tomado pelo cheiro miserável da doença. Talvez para morrer eu precise do amor e da família. Mas para acabar de viver, só preciso de ti, desta febre azul a que os outros chamam só sexo".

(Conto "Só sexo", do livro "Fica comigo esta noite", Inês Pedrosa)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A vida é boa, afinal - ao menos ontem e hoje - quem sabe amanhã?


"Viver é bom demais, dear Deep. E veloz, meio gincana, às vezes. Pegue tudo a que você tem direito, e nós temos direito a absolutamente tudo de bom".

(Caio F. em Para sempre teu, Caio F, Paula Dip, p. 405)

P.S.: ainda em terras frias, porém, com afeto desmedido que aquece.

somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente


"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil".

(Do conto "Perdoando Deus", de "Felicidade Clandestina", Clarice Lispector)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

só havia um modo de descobrir


“Talvez viesse a ser assim para sempre e talvez existir não fosse adequado, não fosse o sapato feito sob medida ou a temperatura regulada pelo termostato. Mas ele viu Suzana e falou com ela, e se o desejo e o desejo da felicidade eram um blefe, só havia um modo de descobrir”.

(Azul-corvo, Adriana Lisboa, Ed. Rocco, p. 131)

P.S.: ainda estou flanando por aí, leitores ;) Mas eu não resisti e passei aqui...

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Partir para ver outras paisagens


Ouça

Luísa e sua autora precisam "partir para ver outras paisagens" por uns dias.
Até breve, leitores!

"E o meu coração embora
Finja fazer mil viagens
Fica batendo parado
Naquela estação...".

(Naquela estação, Adriana Calcanhoto)


segunda-feira, 18 de outubro de 2010

enfrentar as coordenadas e os impasses essenciais de seu desejo


"(...) a psicanálise não é uma teoria e técnica dos distúrbios psíquicos, mas uma teoria e prática que põe os indivíduos diante da dimensão mais radical da existência humana. (...) para Lacan o objetivo do tratamento psicanalítico não é o bem-estar, a vida social bem-sucedida ou a realização pessoal do paciente, mas levar o paciente a enfrentar as coordenadas e os impasses essenciais de seu desejo".

(Como ler Lacan, Zizek, p. 10, Ed. Zahar)

Impulsos


"E Luísa, magoada, devolveu a seta e me disse que eu não poderia jamais escrever o grande romance porque o meu impulso para destruir era muito mais forte do que o meu impulso para criar".

(Luísa (Quase uma história de amor), Maria Adelaide Amaral)

Sobre medos

Imagem: Gustave Coubert

“- Estou com medo.
- Os sentimentos dão medo. E às vezes machucam. Se você não sente dor, não sentirá nada”.

(Do filme: Gente como a gente)

uma espécie de urgência


“Às vezes, não sei se você já teve essa sensação, as coisas todas ganham uma espécie de urgência. Não é urgência em fazer algo específico: as coisas, em si, ficam urgentes. O céu fica urgente. As ruas. Os prédios. As montanhas. As calçadas. Os carros passando de madrugada pela Lagoa. É como se tudo quisesse nos dar um recado, nos transmitir uma informação importante que está ali em letras garrafais de neon e só nós mesmos não conseguimos entender”.

(O coração às vezes pára de bater, Adriana Lisboa, Ed. PubliFolha, p. 44)

Alimento e confronto


“Uma coisa é alimentar a ideia da paixão na placidez asséptica do circuito virtual, palavra a palavra, outra coisa seria confrontar-me com ela”.

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 94)

Imprevisível - Carpinejar

Imagem: Robert Doisneau

“(...) Seja imprudente porque, quando se anda em linha reta, não há histórias para contar.
(...) Ligue sem motivo para o amigo, leia o livro sem procurar coerência, ame sem pedir contrato, esqueça de ser o que os outros esperam para ser os outros em você.
(...) Cometa bobagens. Ninguém lembra do que foi normal.
Que as suas lembranças não sejam o que ficou por dizer. É preferível a coragem da mentira à covardia da verdade”.

(Crônica "Imprevisível", in: O Amor Esquece de Começar, Carpinejar)

domingo, 17 de outubro de 2010

O que se foi - Ferreira Gullar


O que se foi

O que se foi
Se algo ainda perdura
é só a amarga marca
na paisagem escura.

Se o que se foi regressa,
traz um erro fatal:
falta-lhe simplesmente
ser real.

Portanto, o que se foi,
se volta, é feito de morte.

Então por que me faz
o coração bater tão forte?

(Em alguma parte alguma, Ferreira Gullar, José Olympio Editora, p. 45)

sábado, 16 de outubro de 2010

A dor como certeza - da vida



"Queria que me doesse no coração, esse músculo que às vezes pára de bater. Que doesse mesmo, no fundo, para que eu sentisse que estava vivo, mesmo que estar vivo fosse um absurdo, um contra-senso. Será que às vezes é preciso que a vida nos doa no fundo mais fundo do corpo para que fique alguma certeza dela?".

(O coração às vezes pára de bater, Adriana Lisboa, Ed. PubliFolha, p. 47)

Jerusa dizia que as paixões tem três fases: lírica, trágica e cómica


"Jerusa dizia que as paixões tem três fases: lírica, trágica e cómica. A lírica define-se pela lucidez e pelo encantamento.
- a chamada fase das borboletas, entende? Quando você tem borboletas voando dentro do estômago.
(...) A fase trágica, continua Jerusa, é a da concentração obsessiva no ser amado, também conhecida como período do terramoto, quer porque a cidade inteira pode cair sem darmos conta disso, quer porque a mínima decepção é um terramoto; a fase cómica seria a do desmoronamento final.
- Como uma pintura cubista. O amado se desfigura diante de nossos olhos, se transforma numa composição dissonante. E aí você não tem nem como chorar. Então o nosso riso é um uivo, enquanto rolam dentro de nós pedras de gelo.
Nas paixões brutais essas três fases podem se suceder, num atropelo, em apenas um dia.

Jerusa caída à porta de um bar na noite de Lisboa, esgotadas todas as fases.
- Porque é que estou bem mais perto de você do que você de mim?

- Como é que você pode ser tão meu, e não entender isso?

- Não se preocupe meu bem, estou seguindo as regras do AA (Apaixonados Anônimos): um dia atrás do outro. Devagarzinho".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 189-190)

Depois de um tempo isso deixa de ter importância, quem quis, quem deixou de querer.


"Minha mãe devia ter ficado casada com você, eu disse ao Fernando...
(...) E como é que você sabe que foi ela quem não quis mais?
Foi você?
Eu arregalei um par de olhos perplexos, ele riu.
Não. Foi ela. Foi a Suzana quem não quis mais. Depois de um tempo isso deixa de ter importância, quem quis, quem deixou de querer. De todo modo, as coisas com ela eram assim. Sensacionais enquanto duravam. Mas não duravam muito".

(Azul-corvo, Adriana Lisboa, Ed. Rocco, p. 141)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Queres ter um romance sem chatices, acabas num guichet de contabilidade


" - A merda do e-mail também só complica as coisas - Guilherme a gabar-se. - Eu tinha uma que me mandava um média de seis e-mails por dia, e ficava abespinhada porque eu não lhe respondia. Dizia-lhe que não tinha tempo, explicava-lhe tim-tim por tim-tim que estava ocupadíssimo, mas quanto mais pormenores lhe dava mais furiosa ela ficava, gritando que para escrever saudades ou beijos não se gastava mais do que um segundo. Cobram tudo. Queres ter um romance sem chatices, acabas num guichet de contabilidade".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 35)

não tente


"Se você quer mesmo um filho, tenha um. Não tente adaptar um marmanjo".

(Jessamyn West)

A vida não tem o menor sentido, você não percebeu?


"Por que é que você simplesmente não deixa rolar? Por que é que você tem que interpretar tudo, dar um sentido a tudo? A vida não tem o menor sentido, você não percebeu?
- Tinha para mim até pouco tempo atrás.
- Você foi expulsa do Paraíso. Agora faz parte dos mortais.
- Eu queria a minha inocência de volta. - disse Lúcia..."

(Aos meus amigos, Maria Adelaide Amaral, Ed. Siciliano, p. 53)

todos juntos


"Meus sentimentos por você são como um pote cheio de anzóis. Não posso pegar um de cada vez. Puxo e vêm todos de uma vez. Então não mexo com eles".

(Meryl Streep para Leonardo Di Caprio em "As filhas de Marvin")

Diferenças - paixão e amor


"L. Kancyper, a paixão gera uma ferida no narcisismo justamente porque racha o controle onipotente da razão. Enquanto o amor salvaguarda a distância entre sujeito e objeto, o desejo proveniente da paixão, esse orienta rumo à fusão total com o objeto, o que significa o risco de devorá-lo ou ser devorado por ele mesmo. Compreende-se que muitos conflitos derivem da quebra de poder que representa o advento da paixão, ocasionando sofrimento: o obsessivo a vive como instância de perda de controle; o fóbico, como transgressão à distância que é necessária; o paranóico, como perseguição de um inimigo que ameaça devorá-lo".

(BORDELOIS, I. Etimologia das paixões. Tradução de Luciano Trigo, Rio de Janeiro: Odisséia Editorial, 2007, p. 61)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

tudo ou nada


“- E quem é que quer levar vida normal? Eu, Lu? Olha para mim! Eu sou um sobrevivente, não sou um pedinte! Eu não sou do tipo que mendiga vida, meu consumo é o mais alto e o mais arriscado, é tudo ou nada, entendeu?”

(Aos meus amigos, Maria Adelaide Amaral, Ed. Siciliano, p. 175)

Talentos - Por Pedro


"Ela possuía um talento particular para cartas de amor, e eu gosto de alimentar talentos. Enquanto conversava com ela, esquecia-me do tempo. Gosto de me esquecer do tempo".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 93)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Versões da nossa história


“- Prometa que escreverá minha história – diz ele.
E eu prometo. Mas como posso escrever a história de outra pessoa? O que escrevemos é sempre alguma versão da nossa história, usando outros personagens para ilustrar as parábolas de nossas vidas”.

(Memória Inventada, Erica Jong, p. 111)

para tentar apagar a marca do seu corpo


"Nisso tive sorte. Assim encontrei e perdi Clarisse. A torrente de cor da minha vida. Fiz-lhe demasiado mal, fornicando mulheres em série para tentar apagar a marca do seu corpo, a força do meu amor por ela. Ou pior: sem sequer me dar conta de que a amava. Nunca lho disse. Nunca o disse a ninguém. Nem sequer lhe disse que adorava as covinhas no fundo das suas costas, o sinal do seu pescoço, a largura das suas ancas. Quando me sentia viciado nela engatava outra, dez quilos mais magra, alguém que não pudesse confundir com ela. (...) Ninguém é feliz. Nenhum destes meus amigos é feliz, é também por isso que gosto deles".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 59)

Nono sorteio de livros do blog



O sorteio da quinzena é: "Luz e Sombra - Elementos Básicos de Astrologia"
Autora: Emma Costet de Mascheville
Editora: Teosófica
78 p.

Mesmo método de sempre:

*Colocar nome completo, e-mail e ser seguidor do "Vem cá Luísa, me dá tua mão".

Só vale para quem mora no Brasil.

O resultado sai dia 27 de outubro.

Ganhadora do oitavo sorteio de livros do blog


Quem levou o livro foi:
Fernanda Yano

vacina às avessas


"Mas o medo que você já teve um dia é uma vacina às avessas: predispõe à doença".

(Azul-corvo, Adriana Lisboa, Ed. Rocco, p. 180)

Oportunidades


" (...) Sei disso. Perdi a oportunidade. Eu me arrependo até hoje. A coisa mais triste na vida é uma oportunidade perdida".

(Do filme: A midsummer night´s sex comedy, Woody Allen)

Tonalidades de cinza


"Em psicanálise não há preto no branco, são várias tonalidades de cinza".

(Maria Anita Carneiro Ribeiro, psicanalista - aula de 01/10/10 do mestrado)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sem cura - Drummond



"Que fiques boa depressa
de alegria ou qualquer dor,
mas que nunca sares dessa
doença
de amar-me, Amor!"


(Drummond)

Sofrer quando a ração recebida é menor do que a ração dada


"Não há decepções nascidas de ilusões desproporcionadas. Não há ilusões. Nem sombra dessa maçada incomensurável que se chama de análise da relação. Não existe a contabilidade do dever e do haver em que as mulheres são educadas. Dar para receber. Dar racionadamente. Sofrer quando a ração recebida é menor do que a ração dada. Que vida triste, a dessa metade da humanidade educada assim".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 19)

Um lugar ilusório


"A angústia preponderante do lado feminino é o desamparo. Por isso o amor dá um lugar para a mulher, ainda que ilusório".

(Maria Anita Carneiro Ribeiro, psicanalista - aula de 01/10/10 do mestrado)

Por nada



" - Desde que te conheci, nunca fui tão infeliz na minha vida.
- Nem eu,
- Eu não trocaria isso por nada.
- Nem eu".

(Do filme: A um passo da eternidade)

Em que plano de existência ficam as coisas que não fizemos?


"Uma ideia ocorreu-lhe, de repente, e ele a pronunciou em voz alta:
Em que plano de existência ficam as coisas que não fizemos? Que poderíamos ter feito, mas não fizemos?"

(Sinfonia em Branco, Adriana Lisboa, p. 147, Ed. Rocco)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

aguentar


"Dir-se-ia que o homem pode aguentar tudo (...), até a ideia de que não pode aguentar mais".

(William Faulkner)

Como se o amor fosse a escada de um prédio de apartamentos


"O primeiro amor, tanas. Irrita-me esse arquivo organizado que as mulheres chamam romantismo. Como se houvesse segundo, terceiro, quarto, quinto amor. Como se o amor fosse a escada de um prédio de apartamentos. O amor é uma coisa que começa velha, uma forma de demência que nos leva a concentrar os corpos e rostos que desejávamos num só. O amor. Essa massa esponjosa, doente, que tanto me excitava. Curei-me por causa do que sofri por esta mulher. Horas infindáveis de solidão com as agulhas do ciúme moendo-me pele e vísceras e crânio e coração. Dias e noites triturando tudo o que eu era, com um rigor de tanque de guerra. Eu era tão pouco. Um garoto deslumbrado com a descoberta do corpo de uma mulher. Acreditava que aquela mulher era única e que seria minha para sempre".

(Os íntimos, Inês Pedrosa, Ed. Alfaguara, p. 12)

Eis o último livro da Inês em minhas mãos. Parem o mundo que eu quero ler tudo! Ainda hoje :)

O que você quer, hoje?


“Como se não bastasse, Sérgio ligara marcando um encontro. E ela foi segura, imaginando um drink ameno no fim da tarde, preparada para o sarcasmo habitual de Sérgio com o seu sucesso, seu habitual amargor a respeito da vida. De passagem, dariam boas risadas. Sérgio costuma ser engraçado na sua crueldade.
- Subitamente lá estávamos nós, nos confessando, nos penitenciando pelo que foi e pelo que poderia ter sido se tivéssemos a humildade ou talvez a coragem na época.
(...) – O que você quer, hoje?
- É tão difuso o que quero.
- Sentimentos intensos, paixão?
- Mas não a angústia antecipada da perda. E, acima de tudo, não quero ser destruída”.

(Luísa (Quase uma história de amor), Maria Adelaide Amaral, p. 47)

Palavras e ideias


“Vocês aprenderão a pensar por si próprios. Aprenderão a saborear palavras e linguagem. Palavras e ideias podem mudar o mundo”.

(Do filme: Sociedade dos poetas mortos)

o objetivo de tanta nobreza


“Os ideias são sempre narcísicos (ideal de eu/eu ideal). Porque o objetivo de tanta nobreza é ganhar o amor do Outro. Do ponto de vista da psicanálise, ninguém é bonzinho de graça”.

(Maria Anita Carneiro Ribeiro, psicanalista - aula de 01/10/10 do mestrado)

sábado, 9 de outubro de 2010

mistérios


"(...) escapei, sabendo que os homens farão qualquer coisa para tê-la... embora pareçam não querê-la quando você decide que os quer. (Ah, o mistério dos homens e das mulheres: por que eles nos perseguem tão implacavelmente quando acabam ficando estarrecidos quando paramos de fugir?".

(O vício da paixão, Erica Jong, Ed. Círculo do Livro, p. 343-344)

Nelson Rodrigues


"Aos dezoito anos o homem não sabe nem dizer bom dia a uma mulher. Todo homem deveria nascer com trinta e cinco anos feitos".

(Nelson Rodrigues)