quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Não há raivoso burro - Carpinejar


"(...) - O que sinto? Não sei o que sinto, estou pensando agora no que sinto e não estou gostando nem um pouco.

(...) - Ai me achega uma preguiça do que não vivi.

(...) Para destruir, montamos e desmontamos o dicionário com afinco, puxamos as piores fragilidades para sangrar. Criamos até neologismos. No momento da briga, ninguém segura o verbo. Não há raivoso burro. Não há raivoso com língua presa. Não há raivoso gago. Um Padre Antonio Vieira acorda na acusação apontando os dedos ao destino.
No momento da paz, o verbo é travado. Parece que não precisamos fazer mais nada, a não ser recorrer às exclamações. Observamos nossa namorada e nos tranquilizamos com "bonita", "linda", "maravilhosa", "incrível", "fabulosa". Ela vai se tornando igual às outras. Não criamos gentilezas novas, não nos esforçamos para a homenagem. Não duvidamos do que sopramos para fora.
Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?".

(Crônica: Preguiçoso no elogio - de: Mulher Perdigueira, Carpinejar, Ed. Bertrand Brasil, p. 101-102)

3 comentários:

  1. Do que ainda não vivi não sinto preguiça só gula.

    Beijo.

    ℓυηα

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  2. pois me chega uma preguiça às vezes é de ser.

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  3. Não duvidamos do que sopramos para fora.
    Se ela derruba os livros no chão, apontaremos que ela é atrapalhada. Por que não dizer que ela transborda?

    Adoro adoro adoro essa passagem.

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