domingo, 29 de março de 2015

assimetria


A paixão nasce de um encontro casual, sempre assimétrico. Um só é aprisionado por um detalhe que vai condensar – durante um tempo – o conjunto das causas do desejo.

O apaixonado, aprisionado pelo movimento de uma mão ou de um olhar, se verá amarrado àquilo que o apaixona, àquela beleza convulsiva, “erótica-velada, explosiva-fixa, mágica-circunstancial”. Que André Breton evoca em L’Amour fou.

HASSOUN, J. A crueldade melancólica, p.43. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

sexta-feira, 27 de março de 2015

é bom?


"Normal", não é a palavra, eu sei, "normal" estabelece um critério tão inabalável de sanidade que chega a ser fascista. Tento de outro jeito, então: será que é bom, isso?"

Caio F. in: A Vida gritando nos cantos, p. 220.

Imagem: Ilse Bing

sexta-feira, 20 de março de 2015

sobrevivente do extinto amor


Então se lembrou de uma frase: Não tente me convencer de que não estou sofrendo. Um clássico de Sofía: um desses estilhaços que o amor esculpe e deixa cravados num órgão a que só ele tem acesso, de modo que sobrevivam a tudo, até mesmo à extinção do amor, e passam a ser essenciais para o organismo onde se incrustaram, a tal ponto que ninguém pode retirá-los sem pôr em risco a vida de seu portador.

Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 256.

quarta-feira, 18 de março de 2015

do tempo

Queria dizer a Raul que pensasse no tempo que fatalmente passaria, como sempre passa. O que hoje é drama, sempre, amanhã, estará quieto na memória.

Caio F. In: Triângulo das águas. Ed. Nova Fronteira, p. 26, 1983.

www.vemcaluisa.blogspot.com.br

terça-feira, 17 de março de 2015

prescreveu

E a dívida que Rímini contraíra com ela foi perdendo vigor e enlanguescendo, como enlanguescem os objetos perdidos que ninguém reclama, até que prescreveu.

Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 141.

quinta-feira, 12 de março de 2015

e, no final


Ao terminar, Rímini estava esgotado - esgotado e perplexo, como aquele que cava um poço para escapar e, no final, diminuto entre altas paredes de terra, descobre que já não tem como sair.

Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 182.

quarta-feira, 11 de março de 2015

não existe nada atrás

“Estou vendo”, disse Sofía. “Isso é avançar, para você. Cada coisa apagada, um passo à frente, não? E assim você vai se limpando. Assim vai se desfazendo do que não lhe serve. Para que tanto lastro, não é? Junta pó, ocupa espaço, precisa ficar sempre arrumando. Melhor se livrar disso tudo. ‘Libertar-se.’ Por isso você procurou a garota, não? É jovem... Não tem passado (se chama Vera, não é? Vera. Gosto do nome.). Ideal. Atrás não existe nada. Agora está tudo pela frente”.
Alan Pauls in: O passado. Cosac Naify, p. 149.