segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Da falta

Ninguém é tão presente pra nós quanto aqueles que nos faltam, eu já me dera conta.

Marcelo Backes in: A casa cai. Companhia das Letras.

Preso-livre ou livre-preso

Imre, onde você estiver, preso-livre ou livre-preso, na rua, na prisão, no quarto de outra mulher, numa casa abandonada no meio de alguma estrada, na Áustria, para onde você não fugiria, porque não suporta nem pronunciar a palavra fuga (que não precisa ser ruim, porque fugir é o lugar do homem e até ficar tantas vezes é fugir), porque para você as palavras sempre querem dizer só uma coisa e você não percebe que elas querem dizer muitas - me ouça, do jeito que você conseguir: com as mãos, com os olhos, com os dedos. A palavra que eu te disse quando não conseguia decidir se vinha ou não para cá foi szia, aquela mesma que eu sempre falava e você fingia que ficava conspícuo mas eu percebia que você estava rindo disfarçando, do mesmo jeito que você ria quando eu te beijava nos dedos, no nariz, nos lóbulos, nos fios dos cabelos, no osso ilíaco e você ficava envergonhado mas também feliz. Essa palavra significa tanto "oi" como "tchau". Eu disse szia porque, de uma forma que nem eu sabia muito bem qual era, queria que você me ajudasse a decidir. Mas você não entendeu daquela vez e nem entende agora; você decidiu por mim que aquilo era "tchau" e praticamente me expulsou; resolveu no meu lugar... (...) Me ouça, onde quer que você esteja, (...) que, se um dia escrevessem alguma coisa, seria: "Dessa vez eu não me atrasei", porque você se atrasava para tudo e eu nunca; foi por isso que eu disse szia. Não podia me atrasar ao decidir se ficava ou ia embora, depois que eles chegaram e eu vi que você iria ficar até ser preso-livre...

Noemi Jaffe in: Írisz: As Orquídeas (Cia. das Letras).

www.vemcaluisa.blogspot.com.br

Do significado


Mas as palavras carregam coisas que ficam além do que elas dizem, num lugar onde está o que elas querem dizer. Eu sinto como se elas guardassem uma origem perdida. Então quero, desse jeito teimoso que você, Martim e todos recriminam, criar um vínculo entre aquilo que a palavra foi um dia e o significado de agora. Parece que, desse jeito, as palavras e as coisas voltam a ter algum sentido maior. (...) me faz pensar em outras palavras e frases vazias que nós dissemos um para o outro, como: "Não concordo"; "Você não me compreende"; "Nós realmente não vivemos no mesmo mundo". Essas palavras não dizem nada e só substituem aquilo que realmente gostariam de dizer, que é: "Por favor, fique imediatamente já comigo para sempre e não se meta a fazer o que você acha que tem que ser feito, porque nunca há nada a ser feito e o que quer que você faça, na situação que se armou, é inútil e só vai servir à sua vaidade ou ao seu orgulho"; "Venha comigo, Imre".

Noemi Jaffe in: Írisz: As Orquídeas (Cia. das Letras).

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