A língua nem sempre usa gravata e sapato social. O objetivo da ficção não é a correção gramatical, mas fazer o leitor se sentir à vontade e, depois, contar uma história... Fazer com que ele esqueça, sempre que possível, que está lendo uma história.
Stephen King in: Sobre a escrita. Suma de Letras, p.118.
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
sábado, 27 de fevereiro de 2016
das recordações
De qualquer forma, o meu coração é uma floresta cheia de nevoeiro - guarda tudo e não encontra nada. Sou uma recordadora profissional. Vivo de recordações, mesmo daquilo que ainda não fiz. E repito obsessivamente os mesmos truques. Iludo-me. Penso que amanhã é que vai ser.
Inês Pedrosa in: Desnorte. Publicações Dom Quixote.
Inês Pedrosa in: Desnorte. Publicações Dom Quixote.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
E o que quê disso quer dizer?
"É apenas um carro", disse Kováč, debaixo do semáforo fechado.
"Talvez no resto do mundo. Não na Alemanha."
Kováč riu. "Pois a mim me agrada. É compacto, econômico, livre da pretensão fálica alemã."
João Pedro enrugou a testa, Phallische o quê?
"Complexo de potência", começou a esclarecer Kováč, mas deixou por isso mesmo, acelerou (mas não muito), duas quadras ficaram para trás.
"Macht-Komplex?", repetiu, cuidadoso, duas quadras depois, João Pedro.
Kováč manteve o silêncio por mais algumas curvas e então disse: "Um grande pensador francês, Rôlãn Bárt, afirmou certa vez que os franceses são uma civilização de vergonha e os alemães, de culpa". Pequena pausa, semáforo. "Os automóveis alemães são disso um exemplo".
Grande pausa, João Pedro: "E o que quê disso quer dizer?".
Kováč deu de ombros.
(Caio Yurgel in: Samba sem mim. Ed. Benvirá)
"Talvez no resto do mundo. Não na Alemanha."
Kováč riu. "Pois a mim me agrada. É compacto, econômico, livre da pretensão fálica alemã."
João Pedro enrugou a testa, Phallische o quê?
"Complexo de potência", começou a esclarecer Kováč, mas deixou por isso mesmo, acelerou (mas não muito), duas quadras ficaram para trás.
"Macht-Komplex?", repetiu, cuidadoso, duas quadras depois, João Pedro.
Kováč manteve o silêncio por mais algumas curvas e então disse: "Um grande pensador francês, Rôlãn Bárt, afirmou certa vez que os franceses são uma civilização de vergonha e os alemães, de culpa". Pequena pausa, semáforo. "Os automóveis alemães são disso um exemplo".
Grande pausa, João Pedro: "E o que quê disso quer dizer?".
Kováč deu de ombros.
(Caio Yurgel in: Samba sem mim. Ed. Benvirá)
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
Sossega, sossega
A solidão é tão nítida como companhia. Vou me adequando, vou me amoldando. Nem sempre é horrível. Às vezes é até bem mansinha. Mas sinto que o amor acabou. [...] Repito sempre: sossega, sossega - o amor não é para o teu bico.
Carta de Caio F. para Jacqueline Cantore, 18-04-1985, publicada em Caio Fernando Abreu - Cartas, organizado por Italo Moriconi. Ed. Aeroplano, p. 127.
Carta de Caio F. para Jacqueline Cantore, 18-04-1985, publicada em Caio Fernando Abreu - Cartas, organizado por Italo Moriconi. Ed. Aeroplano, p. 127.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
do que é inútil - Caio F.
Se me ouvisses, eu pediria perdão.
Mas os ouvidos de quem não ama
são sempre surdos para quem tentou em vão
ultrapassar os muros.
Se me amasses eu me transformaria
num lago doce de mel para te alimentar.
Mas a doçura de quem não recebeu amor
se eriça feito um bicho ferido
e em sua toca, dobrado sobre si,
lambe sozinho a própria dor,
disposto a morder para salvar
o que talvez tenha sobrado de:
vida, embora inútil.
9 de abril de 1985
Caio Fernando Abreu in: Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu. Ed. Record, p. 155.
Mas os ouvidos de quem não ama
são sempre surdos para quem tentou em vão
ultrapassar os muros.
Se me amasses eu me transformaria
num lago doce de mel para te alimentar.
Mas a doçura de quem não recebeu amor
se eriça feito um bicho ferido
e em sua toca, dobrado sobre si,
lambe sozinho a própria dor,
disposto a morder para salvar
o que talvez tenha sobrado de:
vida, embora inútil.
9 de abril de 1985
Caio Fernando Abreu in: Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu. Ed. Record, p. 155.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
do amor
Mas o amor é como a pintura. Só piora com a reprodução.
Inês Pedrosa in: Desnorte. Publicações Dom Quixote.
Inês Pedrosa in: Desnorte. Publicações Dom Quixote.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
o que se merece
Porque, às vezes, na vida, a justiça se cumpre e, se o homem esquece facilmente e costuma lembrar de si mesmo só aquilo que lhe traz honra, há livros onde tudo é registrado, cada momento da nossa existência, de modo que nos possa ser dado, até a última moeda, o que merecemos.
Dino Buzzati in: Naquele exato momento. Ed. Objetiva, p. 16.
Dino Buzzati in: Naquele exato momento. Ed. Objetiva, p. 16.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
dos abismos
Somos ilhas solitárias, semeadas no oceano, e um imenso espaço as separa. Beijos, juramentos, lágrimas; são como pequenas pontes, ridículos gravetos que atiramos, da margem, para ultrapassar abismos.
Dino Buzzati in: Naquele exato momento. Ed. Objetiva, p.31-32.
Dino Buzzati in: Naquele exato momento. Ed. Objetiva, p.31-32.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
dos escritores
Um escritor é alguém congenitamente incapaz de dizer a verdade. Por isso, o que ele escreve chama-se ficção.
William Faulkner
William Faulkner
sábado, 13 de fevereiro de 2016
do silêncio e o poder
Ele estava disposto a fazer seu silêncio durar mais que o dela, vencê-la na maratona do orgulho ferido, pois sabia (tinha aprendido a lição) que em todo e qualquer relacionamento informação é poder, e a parte que ama mais, e que sabe que ama mais, é a primeira a dar com a língua nos dentes e terminar sozinha. Então nada dizia. Queria, mas nada dizia.
Caio Yurgel in: Samba sem mim. Ed. Benvirá.
Caio Yurgel in: Samba sem mim. Ed. Benvirá.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
alguém para chamar de seu
Não saberia como palmilhar o caminho solitariamente, já que nunca acreditei naqueles versos espanhóis que dizem "Não há caminho, pois o caminho se faz caminhando". Uma ova!
Acredito piamente que, no correr da vida de todo e cada ser humano, há um momento em que se elege alguém para ser seu...
Silviano Santiago in: Mil rosas roubadas. Companhia das Letras, p. 28.
Acredito piamente que, no correr da vida de todo e cada ser humano, há um momento em que se elege alguém para ser seu...
Silviano Santiago in: Mil rosas roubadas. Companhia das Letras, p. 28.
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