domingo, 11 de abril de 2010

Amar a nossa falta mesma de amor


"Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
e o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita".

(Drummond)

4 comentários:

  1. O melhor EVER, nas minhas agendas desde 2000.

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  2. perfeito este poema do nosso amado poeta.

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  3. Com certeza (Drummond) é um dos maiores artistas brasileiros do século XX!

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  4. A personagem da Alice Braga no filme brasileiro A Via Láctea recita o comço desse poema, voce já viu? Eu gosto bastante desse filme, nao sei dizer se por identificação por eu morar em SP.
    Adoro seu blog. =)

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